segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O caso Sakineh Mohammadi


Como dizia Carlos Drummond no belo poema “O lutador”, que envolve considerações sobre o ato de escrever, “lutar com palavras é a luta mais vã, elas são muitas, eu pouco”.
A intenção do poeta é revelar, sobretudo, as dificuldades da criação do texto poético que, ao contrário do que se possa imaginar, não acontece somente por fruto de estados de inspiração, porque é, em inúmeras ocasiões, ato sôfrego, de luta e reflexões difíceis, sempre em busca dos termos cabíveis, sonoros, plausíveis.
Na maioria das vezes, o encalço de um tema me faz pensar e pesquisar mais, correr atrás de palavras que são sempre muitas perante o pouco que sou ou nutro diante da infinidade de que elas são capazes.
Há aqueles que pensam de outro modo. Ferreira Goulart, por exemplo, alega que são as palavras que normalmente o escolhem.
Pois preciso dizer que, se não fui escolhido pela beleza da criação poética, ao menos o fui pelo drama de uma mulher, a iraniana Sakineh Mohammadi. Ou, no mínimo, fui à caça das palavras que me permitissem tentar traduzir o sentimento que o caso me desperta.
Isso mesmo, Sakined é aquela iraniana condenada à morte por apedrejamento no Irã em virtude de ter cometido adultério. A mera possibilidade de ocorrência dessa pena mais do que bárbara se apossou do meu pensamento. Ademais, a sua confissão foi arrancada por meio de 99 chibatadas nas costas.
Entretanto, no decorrer dos últimos dias, nos chegam notícias de que as autoridades daquele país, após a série de manifestações das entidades ligadas aos Direitos Humanos contrárias à barbárie, comutaram a morte por apedrejamento em morte na forca. Quanta benevolência!
Mesmo Lula, para se safar das críticas às estranhas diretrizes da diplomacia de seu governo, que representam uma espécie de beija-mão de ditadores como Hugo Chaves, Fidel Castro e o déspota iraniano Ahmmadinejad, dentre outros, veio a oferecer asilo no Brasil à Sakineh, mas obteve apenas uma irônica resposta negativa.
Sabe-se que o absurdo Código Penal do Irã prescreve a morte por apedrejamento em casos de adultério e outros delitos, segundo interpretações arcaicas e estúpidas do Islã e das imperiosas palavras do profeta Maomé.
Abstenho-me de tentar entender e compreender tamanha violência instituída, tamanha ignorância, tamanho atraso civilizatório. Assim, creio que não me parece haver nada de mais inaceitável do que regimes dessa natureza e que punem de forma tão terrível.
Cumpre mencionar que o episódio Sakineh não é raro. Atualmente, 25 presos aguardam a morte por apedrejamento no Irã, a maioria mulheres e homossexuais.
Quando mulheres, então, a crueldade é maior, pois o ritual é de que devem ser enterradas até o busto para que lhes sejam atiradas pedras pequenas até a morte, e a fim de que o suplício perdure mais.
Certos fatos nos deveriam ser úteis para a formação de um mínimo de senso crítico e de elevação dos níveis de consciência, ainda que, via de regra, estejamos preocupados em demasia somente com os quinhões de nosso próprio espaço.
Tomar conhecimento de que ainda existem pessoas no mundo que podem ser condenadas a morrer de forma lenta, sob uma chuva de pedras resultantes de uma sentença condenatória de um Estado, bem que serviria a esse propósito.
O Irã merece, portanto, todos os tipos de repúdio, pressão e sanções internacionais em razão de tudo isso, inclusive as oriundas de sua perigosa política nuclear.
Já que o governo Lula está no ocaso, pois que o próximo reveja suas ações diplomáticas e não as considere exclusivas do mundo dos negócios, segundo afirmou há pouco o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.
Ao comentar o caso Sakineh em O Estado de São Paulo, o professor Gaudêncio Torquato, valendo-se de um ensinamento clássico, manifestou que as culturas são relativas, mas a moral é absoluta.
Acresço que não é dado à relatividade cultural impor a degradação da dignidade humana.

Alberto Calixto Mattar Filho (mattaralberto@terra.com.br)

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