quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O espetáculo da vida (Chile)

Claro que não se pode relegar ao esquecimento qualquer questão relativa à segurança no trabalho desenvolvido pelos mineiros no Chile. Sabe-se que houve falhas no que tange às tarefas de alto risco que envolveram os 33 trabalhadores na Mina de São José, no deserto chileno de Atacama. Aliás, quem quer penetrar na difícil vida e árduo trabalho dos mineiros, em suas entranhas na terra e na alma, deve ler o clássico Germinal, do francês Êmile Zola, publicado em meados do século XIX (1.855)
Além dos aspectos técnicos das extrações e condições de vida nos agrupamentos dos mineiros, Zola também descreve o princípio da organização política e sindical da classe operária. Para compor Germinal, o autor passou dois meses trabalhando como mineiro na extração de carvão.
Durante tal período, viveu, comeu e bebeu com os mineiros nas mesmas tavernas para se familiarizar com o meio e sentiu na carne o problema do calor e da umidade das minas, o trabalho insano das escavações, a promiscuidade das moradias, o baixo salário e a fome. Ademais, acompanhou de perto suas greves.
É certo que Zola vai ao extremo numa obra literária sobre uma triste realidade de mais de cem anos. Vale dizer que o escritor aborda situações degradantes que não se aplicam literalmente ao trabalho e à vida dos mineiros do Chile. Mas sua leitura propicia descrições marcantes das dificuldades monumentais que enfrentam os que descem às minas, o que conduz a associações com o drama da Mina de São José.
Entretanto, em quaisquer tragédias que envolvam a vida, acabam em segundo plano ou, ao menos para ser discutidos em época oportuna, os planos e estratégias para evitar que outros riscos dessa natureza ocorram. Já que vidas estão em jogo, o que importa, de imediato, é salvá-las.
Tornou-se, por isso, inevitável imaginar as situações de desespero por que passaram esses trabalhadores no momento em que se sentiram soterrados e à mercê de uma morte que chegaria a conta-gotas.
Eis os motivos da importância que adquirem, nas ocasiões dramáticas de sobrevivência, a esperança, a coragem, a solidariedade, a união e todos os esforços técnicos de que o homem é capaz de dispor em ações de imensa dificuldade.
E foi exatamente o que ocorreu sob as circunstâncias do resgate dos 33 mineiros chilenos semana passada. Nos últimos anos, talvez nenhum outro fato tenha preponderado tanto sobre as atenções do mundo, em razão de suas peculiaridades quanto ao ato de salvar vidas. Tudo ficou pequeno diante disso.
Pude acompanhar o final feliz em solo chileno, porque estava em Santiago, uma belíssima cidade, de povo educado, grandes edificações, ruas arborizadas e, sobretudo, limpas, aspecto último que merece nossa atenção, tamanho o descaso com a limpeza urbana que no Brasil impera.Pude, enfim, acompanhar os festejos do orgulho nacionalista que pairou sobre a população do Chile, após o êxito da operação de resgate dos 33 mineiros.
Creio que se enquadram no histórico resgate alguns versos do poeta chileno mais conhecido e reconhecido, Pablo Neruda. São versos que lá os li em espanhol, gravados que estão em pedra na entrada de sua casa aberta à visitação em Santiago.
Cabe interpretá-los como versos de renascimento, de furor e energia existenciais, de prazer de viver. Transcrevo-lhos em forma de prosa na língua pátria: “Sucede que tanto vivi que quero viver outro tanto. Nunca me senti tão sonoro, nunca tive tantos beijos. Me deixem só com o dia. Peço licença para nascer.”

Alberto Calixto Mattar Filho - Funcionário da Justiça do Trabalho - Professor e Escritor por natureza - (mattaralberto@terra.com.br)

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