Li-o em 1994. Quem o leu sabe que a narrativa, em primeira pessoa, se baseia nas confissões de um personagem já falecido. No ato de nos apresentar um “defunto autor” reside a sua criatividade. Despido da existência humana, Brás Cubas, que viveu na sociedade carioca do século XIX, se sente livre para dizer o que pensa sobre a vida, a sociedade, as instituições, os modismos da época, a família e as pessoas, sem receio de contrapartida, sem medo de errar o alvo. Livre também para confessar as próprias mazelas e se autocriticar ao expor frustrações que lhe ocorriam. Como ele mesmo dizia, “nada como o desdém dos finados.”
Ao percorrer novamente os olhos pelo livro, percebo a anotação que havia feito em uma página de um trecho que considerara emblemático das intenções de Machado/Brás Cubas: “Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade. . . a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à própria consciência. . .”
Baseado em tal trecho, cá fiquei a imaginar a extraordinária distância da plena sinceridade do defunto autor Brás Cubas com o que se passa ao nosso redor no atual contexto político, seja em que nível for. Entenda-se a expressão contexto político em sentido amplo. Ela não se resume apenas aos políticos em si. Vai muito adiante, de modo a abranger os mais mesquinhos e gananciosos interesses privados. Aí estão os lobistas de empreiteiras, de máfias de bingos, de empresas que assediam mandatários, legisladores e até juízes Brasil afora, a fim de se locupletarem juntamente com os integrantes do Poder Público. Aí estão diariamente na mídia os nomes de praticantes de delitos contra o erário. Qual será a próxima denúncia?
Ainda com base no mesmo período, fiquei a imaginar se podemos confiar nas oposições que existem por aqui, por ali, por lá. Seriam oposições sinceras e dispostas a mudar o rumo da história, mesmo que com pequenas vírgulas da franqueza Brascubana, ou seriam apenas grupelhos de olhos em postos para fazer valer as falcatruas a seu modo?
Talvez não seja preciso tanto. Basta que haja grupos de bem-intencionados enquanto opositores, mas que, quando no Poder, esquecem seus propósitos de campanha, voltando a agir com lastro em idéias antes combatidas. Por acaso, isso nunca aconteceu entre nós? Há exemplo maior do que a “roubalheira” patrocinada pelo PT e por boa parte do Congresso agora na era Lula? Será que já se esqueceu de tudo?
Portanto, caros leitores, ao reler algumas das mordazes idéias da célebre personagem de Machado de Assis, o pessimismo volta a me assaltar. Mas é assim mesmo. Prefiro o pessimismo a qualquer onda de otimismozinho que não resiste à primeira tragada dos ventos. Se algo tiver que mudar, creio que o caminho do pessimismo me parece mais sólido. Ao menos, é o único que deixa transparecer a necessidade de algo mais. Nesse aspecto, me faço acompanhar de José Saramago.
Alberto Calixto Mattar Filho, professor e servidor da Justiça do Trabalho (mattaralberto@terra.com.br), . . .
Quanto mais leio os artigos do Profº. Alberto, mais seu fã eu fico ... deixa sempre aquela vontade de ler mais ... Obrigado por permitir compartilhar com meus alunos ...
ResponderExcluir